XXIII -DOMINGO TEMPO COMUM- ANO B
DOMINGO: 06/09/15
Is 35,4-7a
Sl 145
Tg 2,1-5
Mc 7,31-37
O Evangelho deste Domingo apresenta-nos um homem surdo e gago
que é colocado diante de Jesus para que ele o cure.
Quem é o surdo-gago? É a humanidade, enquanto fechada para o dom de Deus que
Jesus nos traz. Surda, porque incapaz de ouvir a Palavra, ouvi-la
compreendendo-a, acolhendo-a no coração: "tem ouvido para ouvir, mas não
ouve" (Jr 5,21; cf. Mt 13,14-15).
Esta é a tendência do coração humano, que a Escritura sempre denunciou: o
fechamento para não acolher a proposta que Deus nos faz, de um caminho com ele,
a tendência de nos fechar em nós e viver a vida como se fosse nossa de modo
absoluto: "Escutai, prestai ouvidos, não sejais orgulhosos, porque o Senhor
falou!" (Jr 13,15); "Ah! Se meu povo me escutasse, se Israel andasse em
meus caminhos... Mas meu povo não ouviu a minha voz, Israel não quis saber de
obedecer-me; então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus
próprios caminhos!" (Sl 81/80,14.13). Assim, no fundo, é o fechamento para
Deus, para um Deus verdadeiro, a resistência em realmente levar a sério o
primeiro mandamento: "Ouve, ó Israel!" (Dt 6,4).
Nossa civilização ocidental tem sido particularmente fechada à Palavra do
Senhor: construímos a sociedade e construímos nossa vida privada, nossos valores
morais, nossas escolhas, do nosso modo, sem realmente ouvir a proposta e o
caminho que o Senhor nos indica. Reunimos e escutamos os especialistas:
economistas, antropólogos, sociólogos, sexólogos, psicólogos... mas, para nós, o
Senhor não tem mais nada a dizer! Os gurus são os economistas e psicólogos, é o
Paulo Coelho, são os livros de auto-ajuda... Somos uma geração de surdos!
Ora, se somos surdos, também não podemos falar com clareza: nossas idéias são
embotadas, nossos debates, nossas palavras, não chegam ao essencial da vida, do
sentido da existência, não podemos proclamar de verdade a alegria da salvação,
da plenitude de quem sabe de onde vem e para onde vai. A comunicação se torna
oca, alienada e alienante. Basta observar o que os meios de comunicação
veiculam! Por isso, Jesus cura primeiro a surdez e, depois, a gagueira do homem.
Quando ele puder ouvir o Senhor, tornando-se discípulo pela fé, também poderá
falar, proclamar a ação de Deus em Jesus: do Deus que salva e nos mostra o
sentido da vida, abrindo-nos a esperança eterna!
Sigamos os
detalhes da narração de Marcos: (1) Trouxeram o homem surdo-gago para que Jesus
o curasse. "Jesus afastou-se com o homem para fora da multidão" – bem
ao contrário dos curadores pentecostais de televisão, que exploram seus
"milagres" e "curas" como shows, Jesus procura evitar todo sensacionalismo: ele
quer encontrar-se realmente com aquele homem, pessoa a pessoa, quer que aquele
homem o descubra como sua salvação; (2) "Em seguida, colocou os dedos nos
seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele" – o homem, sendo
surdo, somente poderia compreender a linguagem dos símbolos, dos sinais; é a que
Jesus empregou: toca os dedos que, para os antigos, transmitiam poder (cf. Ex
8,15) e, depois, toca sua língua com a saliva, significando o dom do Espírito
que cura e liberta. Para os antigos, a saliva era o Espírito em estado líquido
(a idéia é estranha, mas é preciso que nos transportemos para o modo de pensar
semítico)! (3)"Olhando para o céu, suspirou e disse: 'Ephatà'". Assim,
Jesus indica que a salvação que ele traz procede do Pai, que o enviou. Mais
ainda: ao suspirar, ao gemer, ele exprime sua compaixão, sua dor pela situação
humana; (4) "Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e
ele começou a falar sem dificuldade". Somente Jesus, com o poder do seu
Espírito, pode curar o homem de seu fechamento para escutar e para proclamar.
Sim, porque também nossa geração cristã é, muitíssimas vezes, covarde para
proclamar, para professar sem medo e respeito humano nossa fé. O cristão ou é
testemunha ou não é cristão:"Não podemos, nós, deixar de falar das coisas
que vimos e ouvimos. Nós somos testemunhas destas coisas, nós e o Espírito
Santo" (At 4,20; 5,32).
Este
caminho do surdo-gago é urgente para o cristão: reaprender a escutar de verdade
Jesus (= crer nele de verdade) e falar dele ao mundo no testemunho corajoso,
pois, somente assim, a humanidade atual encontrará a paz que tanto almeja.
Somente em Cristo aquilo que a primeira leitura vislumbra e anuncia de modo tão
belo, pode realizar-se: "Dizei às pessoas deprimidas: 'Criai ânimo, não
tenhais medo! Vede! É o nosso Deus que vem; é ele que vem para salvar!' Então se
abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo
saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão
águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terá árida se transformará em
lago, e a região sedenta, em fontes d'água" – Que imagens impressionantes,
belas, evocativas! Quando Deus vem, quando ele está presente, tudo é vida, tudo
é plenitude, tudo canta de alegria! Não é disso que nosso mundo atual tanto
precisa? Mas, o homem fechado na sua soberba – nós, fechados na nossa
auto-suficiência e no nosso comodismo! – jamais vai experimentar isso!
Para acolher na alegria e simplicidade, é necessário reconhecer-se
necessitado, como o surdo-gago, que procurou Jesus, para que lhe impusesse as
mãos: somente quem é pobre diante de Deus, quem se reconhece pequeno diante do
Altíssimo, pode abrir-se para a salvação e recebê-la do Senhor! Daí a lembrete
de São Tiago: "Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na
fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?" São palavras que nos
incomodam e até escandalizam: Deus prefere os pobres... porque os pobres são
abertos para Deus. Eles conseguem experimentar dolorosamente na carne aquilo que
nós tentamos esquecer ou temos dificuldades para compreender: que somos todos
pobres, necessitados, pequenos diante de Deus! Com nossas posses e nossas
seguranças, apoiamo-nos em nós mesmos, tornando-nos surdos e mudos para o
Senhor! O pobre é profético sempre, porque recorda o que nós somos e, quando
descobrimos isso, podemos ser curados de nossa auto-suficiência surda e
libertados de nossa preguiça muda. O salmo da Missa de hoje canta exatamente
esta experiência: Deus salva o pobre, o pequeno, o desvalido!
Se o pobre
é sempre profeta, sempre uma palavra de Deus ao nosso lado e, mais ainda, é
presença do próprio Cristo, que sendo rico se fez pobre (cf. 2Cor 8,9) - "O
que fizestes ao menor dos meus irmãos, a mim o fizestes" (Mt 25,40) -,
então, o nosso modo de tratar o pobre, de ver o pobre, de nos aproximar do pobre
– seja pessoal, seja comunitariamente – diz muito daquilo que nós e nossa
Comunidade somos em relação a Deus; diz muito dos nosso critérios: se são
segundo Deus ou segundo nosso coração mundano!
Que o
Senhor nos cure da surdez e da gagueira; faça-nos atentos à sua Palavra e ao seu
testemunho; dê-nos olhos para reconhecê-lo nos irmãos, sobretudo nos pobres,
seja de que pobreza for... sobretudo os pobres, social e economicamente falando!
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